quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Governo suspende proposta de distribuir droga para AVC



O Ministério da Saúde interrompeu uma iniciativa que iria implementar a distribuição, pelo SUS, do único medicamento que trata o AVC (acidente vascular cerebral), a principal causa de morte no país.

Aprovado em 2001, o remédio é um tipo de trombolítico (droga que dissolve coágulos) cujo princípio ativo é a alteplase. Produzido pela empresa farmacêutica alemã Boehringer Ingelheim, ele é hoje a única alternativa para tratar o AVC isquêmico, que representa 80% dos casos no mundo.

Editoria de Arte/Folha Imagem

De cada quatro pacientes tratados com o remédio até três horas após o derrame, um sobrevive. Sua maior vantagem está em reduzir as sequelas: quando administrado em até três horas após o derrame, aumenta em até três vezes a chance de recuperação completa, sem problemas como incapacidade de fala e locomoção e distúrbios de memória.

Muito usado em hospitais privados, o remédio só é distribuído em alguns centros públicos, como os hospitais universitários, que se dispõem a pagar por ele, já que não o recebem do SUS. Em alguns casos, as secretarias municipais e estaduais bancam sua distribuição. Na cidade de São Paulo, nove hospitais públicos o oferecem, por meio desse tipo de parceria.

O Ministério da Saúde afirma que o Projeto Nacional de Atendimento ao AVC, que visa melhorar a atenção à doença, continua em andamento e inclui ações como a agilização do acesso desses pacientes às unidades de urgência, mas disse que "no momento, não se discute a inclusão de novos medicamentos". Respondeu, ainda, que, numa reunião na semana passada, "reforçou o convite às sociedades médicas (...) para que participem do processo de implantação dessa política".

Médicos que participaram dessa reunião dizem que ficaram desapontados após o Secretário de Atenção à Saúde, Alberto Beltrame, dizer que distribuir a alteplase era "inviável". "Já tinham me dito que estavam mudando as prioridades. Mas como pode a doença que mais mata no país não ser prioridade?", questiona a neurologista Sheila Martins, presidente da ONG Rede Brasil AVC.

Ela foi contratada pelo ministério para ser consultora do projeto, cargo que manteve até março. Diz que foi chamada para implantar a distribuição do trombolítico pelo SUS. "Eu é que propus ampliar o projeto para incluir outras ações, como o treinamento dos hospitais que receberiam o remédio."

O projeto vinha sendo desenvolvido em parceria com entidades como as sociedades brasileira e iberoamericana de doenças cerebrovasculares, a Academia Brasileira de Neurologia e a Associação Médica Brasileira. Desde o ano passado, o sistema de saúde de diversos municípios vinha sendo organizado para receber os remédios e melhorar o atendimento.

Foi desenvolvido um projeto piloto em Porto Alegre, que mostrou que, após a distribuição do trombolítico, o índice de pacientes de AVC que saíram do hospital sem sequelas subiu de 32% para 54%.

Elza Tosta, presidente da Academia Brasileira de Neurologia, que estava na reunião da semana passada no ministério, diz que a notícia de que o trombolítico não seria mais distribuído foi uma surpresa. "Quem conhece o AVC sabe que é um remédio importantíssimo."

Ela afirma, porém, que sentiu que as portas continuam abertas a outras contribuições ao projeto. "Percebemos que a distribuição do trombolítico não está nos planos do governo, mas que o restante poderia ser feito. Estamos abertos a colaborar", diz a neurologista.

Ayrton Massaro, presidente da Sociedade Iberoamericana de Doenças Cerebrovasculares, diz que agora não sabe como orientar os médicos. "Não adianta o paciente chegar à emergência cedo se não podemos dar o remédio. Nos hospitais privados ele já é usado. Como as sociedades médicas vão orientar os profissionais e os pacientes se temos que trabalhar com dois sistemas opostos? Não dá para fazer duas medicinas", afirma.

Editoria de Arte/Folha Imagem

Hospitais de referência

O projeto envolvia a escolha de alguns hospitais de referência em cada região com estrutura para receber o trombolítico. "Não podemos simplesmente largar o remédio nos hospitais. Se o médico não tiver cuidado, pode ocorrer sangramento no cérebro", diz Sheila Martins.

Os demais hospitais vinham sendo treinados para implantar outras medidas simples que, segundo ela, não são seguidas, como não deixar o paciente ter febre ou glicemia muito alta.

Também vinha sendo criado, em alguns pronto-atendimentos, um serviço apenas para o atendimento de doenças circulatórias, como infarto e AVC. O projeto envolvia, ainda, sistemas de telemedicina para a comunicação de locais mais distantes com especialistas treinados e ações de prevenção e educação da população.

Custo

Segundo Sheila Martins, o custo anual de distribuir os trombolíticos seria de R$ 5 milhões nos primeiros anos -quando parte da rede pública seria beneficiada.

Cloer Vescia Alves, que foi coordenador-geral de Urgência e Emergência do ministério até março deste ano, diz que vários estudos estavam avaliando o custo-benefício da distribuição do remédio. "Eles apontam que é positivo. O custo do remédio não se compara ao custo social e econômico das sequelas que ficam em quem não o utiliza. É uma legião de pessoas que passa a depender da previdência."

Martins diz que vai continuar o projeto, tentando parcerias com as secretarias estaduais e municipais de saúde. "Mas não é o ideal. Tem locais que não vão conseguir comprar o remédio por conta própria. É o tipo de medicamento que tem que vir do ministério, o SUS tem que pagar."

Fonte: Flávia Mantovani - Folha de São Paulo

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